[ESPAÇO DESTINADO AO CONHECIMENTO E A INFORMAÇÃO]
“PASSEANDO PELA LITERATURA BRASILEIRA”
ORIGENS: As origens de nossa literatura prendem-se à literatura portuguesa dos séculos 16 e 17. Desenvolvem-se, nessa época, a crônica, a poesia de modelo camoniano (de Camões) e o teatro. A crônica caracteriza-se pelo caráter descritivo e informativo. Documenta o processo de colonização do Brasil e mostra o deslumbramento do europeu diante da paisagem exótica e exuberante, como nos dão exemplo Pero Vaz de Caminha, Pero Magalhães de Gandavo, Gabriel Soares de Sousa. Dos padres jesuítas recebemos uma literatura impregnada de sentido religioso, com finalidade catequética, sendo o mais importante vulto José de Anchieta. Iniciam os primeiros sentimentos nativistas que, posteriormente, contribuíram para a formação de uma consciência nacional.
CRONOLOGIA DAS ESCOLAS LITERÁRIAS DA LITERATURA BRASILEIRA
1500- Literatura de Informação - Os textos de Informação rigorosamente não pertencem à literatura, mas servem para captarmos os primeiros passos de uma cultura, a linguagem e as condições de vida do colonizador europeu. No século 20 esses trechos foram retomados, como sugestões temáticas, por Mário de Andrade (em Macunaíma) e Oswald de Andrade (em Pau Brasil).
1601- Barroco - Uma transplantação de modelos ibéricos (de Portugal e Espanha) constitui a literatura dos séculos 17 e 18. No entanto, é possível presenciarmos, na segunda metade do século 18, um Barroco brasileiro na arquitetura, na escultura, na música, cujos exemplos são Aleijadinho, Lobo de Mesquita e Marcos Coelho Neto. Na poesia, destacam-se as vozes de Gregório de Matos Guerra e de Manuel Botelho de Oliveira. Ainda nas academias observamos os ecos do Barroco europeu. As Academias: o sentimento nativista evolui no decorrer do século 17, gerando conflitos, provocando, nas atividades literárias, um grande interesse pela história e natureza do Brasil. Esse é o interesse de sociedades que se fundaram, como a Academia Brasílica dos Esquecidos (BA), Academia dos Renascidos (BA), dos Felizes (RJ) e outras, colocadas como transição para o período neoclássico (Arcadismo). As academias foram o último centro irradiador do Barroco no Brasil e a primeira manifestação de uma literatura e de uma cultura extraconventual.
1768- Arcadismo - Em meados do século 18, Minas Gerais torna-se o grande centro cultural do Brasil. Em Vila Rica (hoje Ouro Preto), por exemplo, os estudiosos encontravam fontes de instrução, em que estudavam não só as letras clássicas, como também as literaturas “modernas” e, principalmente, as literaturas de Portugal, Itália e Espanha. Desse modo, os poetas brasileiros começam a se embeber de nova fonte poética, o Arcadismo, buscando a beleza simples, natural, contra toda espécie de mau gosto, retomando os ideais de beleza clássicos (da antiguidade grega e romana). Os poetas são “pastores” gregos ou latinos que vivem uma vida simples. Os grandes poetas árcades do Brasil são Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga, Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Santa Rita Durão e Alvarenga Peixoto.
1836- Romantismo - O Arcadismo foi o último movimento literário sob a influência lusitana. A partir de nossa independência política de Portugal (7/9/1822), a tentativa de criação de um pensamento nacional ganha, com o Romantismo, a sua maior força, graças ao nacionalismo, característica primeira do movimento romântico. Em 1836, com as poesias de Suspiros Poéticos e Saudades de Gonçalves de Magalhães (1811-1882) e os artigos da Niterói, Revista Brasiliense, esta consciência já está presente. Apesar da origem européia, o Romantismo no Brasil consegue espessura e densidade, adaptando os padrões (modelos) europeus ao clima brasileiro do momento. São cultivados, como gêneros mais importantes, a poesia, a prosa e o teatro, passando por sucessivas transformações temáticas dos primeiros aos últimos românticos.
1881- Realismo/Naturalismo, Parnasianismo (poesia) - O movimento romântico no Brasil começa a declinar na década de 1880; em 1881, com Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) e O Mulato (Aluísio Azevedo), a influência realista e naturalista já está presente com toda a sua força. O Realismo e o Naturalismo são movimentos literários que perduram até os primeiros decênios do século 20 e ganham estabilidade no final do século 19. Influenciados pelo Positivismo e pelo Determinismo, seguem duas linhas: um romance voltado para a análise social das classes mais abastadas do Rio de Janeiro, enfocando aspectos políticos (Machado de Assis), e um romance voltado para a análise do comportamento humano em coletividades menos abastadas, estabelecendo o homem como fruto do meio, e este meio mais os caracteres hereditários esbarram no patológico (Aluísio Azevedo).
Na Poesia Parnasiana, as manifestações anti-românticas situam-se no decênio de 1870, ganhando corpo a partir de 1822, com o advento da escola parnasiana. O maior poeta do Parnasianismo foi Olavo Bilac, que estréia em 1888 com o volume Poesias. Como principal característica da poética parnasiana, está a busca pelo verso perfeito, a rima rica, o português casto, o verso bem construído. Como temas prediletos estão o amor sensual, o patriotismo ufanista, a natureza, todos com constantes evasões para a mitologia greco-romana ou para os aspectos descritivos.
1893- Simbolismo – O Parnasianismo foi a escola poética de primeira grandeza até 1922 quase impedindo o florescer do Simbolismo. Segue, o Simbolismo, duas correntes, cada uma delas com um vulto de especial grandeza nas letras nacionais. A primeira tende a focalizar a transfiguração da condição humana, atribuindo-lhe horizontes transcendentais, representada pela poesia de Cruz e Sousa. A outra traz para a literatura o elemento místico-religioso que faz da morte o objeto de uma liturgia cheia de sombras e lamentos como está transparente na poesia de Alphonsus de Guimaraens. O marco introdutório do movimento no Brasil é 1893, com a publicação de Missal e Broqueis de Cruz e Sousa.
1902- Pré-Modernismo – A literatura realista/naturalista junta-se, no início do século 20, a uma problemática de conscientização social, inovando o enfoque realista e abrindo divisas para a literatura brasileira. É o Pré-Modernismo. Transparece no ensaio sociológico de Euclides da Cunha, na vivência urbana de Lima Barreto e nas restrições humanas ao meio econômico-social de Monteiro Lobato.
1922- Modernismo (A Semana de Arte Moderna de 1922 marca o início do Modernismo) – Apesar do espírito inovador dos pré-modernistas, as letras brasileiras vivem o clima formal e rigoroso do Parnasianismo. Esse clima está longe das ruas, do povo, e é a favor de uma literatura mais coloquial, mais próxima do popular que o movimento modernista se lança. Com uma mostra do que há de revolucionário no campo das artes e numa tentativa de enfocar o povo, em sua linguagem, sua cultura, é que foi realizada a Semana de Arte Moderna, em 1922, em São Paulo. Repassando o folclore, o regional, a realidade brasileira, transporta esses aspectos para a literatura (prosa, poesia e teatro), para as artes plásticas (escultura e pintura) e para a música. Dentre os participantes, destacam-se na literatura: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira (que envia seus versos do Rio de Janeiro), Menotti del Picchia, Graça Aranha e outros. Nas artes plásticas, destacam-se pintores como Di Cavalcanti, Anita Malfatti e, no campo da escultura, Vítor Brecheret. A música conta com Villa-Lobos, a maior expressão do vanguardismo brasileiro.
1ª Geração: 1922-1920; 2ª Geração: 1930-1945; 3ª Geração: Após 1945.
AUTORES MARCANTES DAS ESCOLAS LITERÁRIAS NO BRASIL
LITERATURA DE INFORMAÇÃO: Pero Vaz de Caminha, José de Anchieta.
BARROCO: Bento Teixeira, Padre Antonio Vieira (oratória), Gregório de Matos (poesia).
ARCADISMO: Poesia Lírica: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga; Poesia Épica: Basílio da Gama, Santa Rita Durão.
ROMANTISMO: Poesia: Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves. Prosa: urbanos: José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida; Regionalistas: José de Alencar, Bernardo Guimarães, Taunay; Indianista/Histórico: José de Alencar.
REALISMO/NATURALISMO/PARNASIANISMO: Prosa: Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Raul Pompéia; Poesia: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho.
SIMBOLISMO: Poesia: Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens, Pedro Kilkerry, Augusto dos Anjos, Emiliano Perneta.
PRÉ-MODERNISMO: Prosa: Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Lima Barreto.
MODERNISMO: 1ª Geração: Poesia: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia; Prosa: Antonio de Alcântara Machado
2ª Geração: Poesia: Carlos Drumond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Frederico Schmidt, Andrade Murici, Vinícius de Moraes; Prosa: Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queirós, Érico Veríssimo, Ciro dos Anjos
3ª Geração: Poesia: João Cabral de Melo Neto; Concretismo: Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari; Prosa: João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lígia Fagundes Teles, Herberto Salles, José J. Veiga, Dalton Trevisan, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga etc. Teatro: Nélson Rodrigues, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Dias Gomes, Jorge Andrade etc.
“OLHARES SOBRE O BRASIL DO SÉCULO 19”
PASSEANDO POR POEMAS DO
ROMANTISMO BRASILEIRO
1- CANÇÃO DO EXÍLIO
Autor: GONÇALVES DIAS (1823-1864)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar, sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as plameiras,
Onde canta o Sabiá.
2- Fragmentos de I-JUCA PIRAMA Gonçalves Dias
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi;
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci,
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da Tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
3- VAGABUNDO Autor:
ÁLVARES DE AZEVEDO (1831-1852)
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano
Fumando meu cigarro vaporoso,
Nas noites de verão namoro estrelas,
Sou pobre, sou mendigo ditoso!
Ando roto, sem bolsos, nem dinheiro...
Mas tenho na viola uma riqueza,
Canto à lua de noite serenatas...
E quem vive de amor não tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando, à noite, na treva, em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.
Namoro e sou feliz nos meus amores,
Sou garboso e rapaz... uma criada,
Abrasada de amor por um soneto,
Já um beijo me deu subindo a escada...
Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora...
Ela ao ver me sorrir tão docemente!
Desconfio que a moça me namora...
Tenho por meu palácio as longas ruas,
Passeio a gosto e durmo sem temores...
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta
E a preguiça, a mulher por quem suspiro.
Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua...
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
Sinto-me um coração de lazzaroni,
Sou filho do calor, odeio o frio,
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo a Nossa Senhora e sou vadio!
Ora, se por aí alguma bela,
Bem doirada e amante da preguiça,
Quiser a nívea mão unir à minha
Há de achar-me na Sé, domingo, à missa.
4- MEUS OITO ANOS
Autor:CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- respira a alma inocência
Como perfume a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida- um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia.
As ondas beijando a areia.
E a lua beijando o mar!
Oh! Dias de minha infância
Oh! Meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
5- A ROÇA Autor:
FAGUNDES VARELA (1841- 1875)
O balanço da rede, o bom fogo
Sob um teto de humilde sapé
A palestra, os lundus, a viola
O cigarro, a modinha, o café;
Um robusto alazão, mas ligeiro
Do que o vento que vem do sertão,
Negras crinas, olhar de tormenta,
Pés que apenas rastejam no chão;
E depois um sorrir de roceira,
Meigos gestos, requebros de amor;
Seios nus, braços nus, tranças soltas,
Moles falas, idade de flor;
Beijos dados sem medo ao ar livre
Risos francos, alegres, serões,
Mil brinquedos no campo ao sol-posto,
Ao surgir da manhã mil canções.
Eis a vida nas vastas planícies
Ou nos montes da terra da Cruz,
Sobre o solo só flores e glórias,
Sob o céu só magia e só luz.
6- Fragmentos de NAVIO NEGREIRO Autor CASTRO ALVES (1847-1871)
Ontem Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob a tenda da amplidão...
Hoje o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade...
A vontade por poder...
Hoje cúmulo de maldade!
Não são livres p’ra ... morrer!...
Prende-os a mesma corrente
- férrea, lúgubre serpente-
Nas roscas da escravidão...
E assim roubados à morte
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute...Irrisão!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!...
Extingue nesta hora o “brigue imundo”
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo!...
...mas é infâmia demais...da etérea plaga
Levantai-vos heróis do Novo Mundo...
Andrada! Arranca este pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta de teus mares!...
PROSA
A prosa romântica manifestou-se,
sobretudo através do romance, longa
narrativa em prosa que envolve amor ou aventura e gira em torno de situações ou
valores burgueses. Geralmente, apareciam em folhetins, seção dos jornais
destinada à publicação dos capítulos dos romances, que, depois, recebiam a
forma de volume.
TEATRO ROMÂNTICO
O teatro romântico foi também iniciado
por Gonçalves de Magalhães, que escreveu a tragédia Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, encenada em 1838. O grande
ator do período foi João Caetano (1808-1863), também diretor e empresário
teatral. Mas o maior dramaturgo do Romantismo brasileiro foi, sem dúvida,
Martins Pena (1815-1848), destacando-se por divertidas comédias de costumes,
que focalizam os tipos simples da roça em contato com a vida requintada da
Corte, como se pode observar em
O Juiz de Paz na Roça, encenada por João
Caetano em 1838. Escreveu também: A
Família e a Festa na Roça (1842) e O
Judas em Sábado de Aleluia (1846).
O ROMANCE ROMÂNTICO
O romance foi a grande conquista de
público no Romantismo. A primeira obra de sucesso do gênero no Brasil foi A Moreninha, de Joaquim Manuel de
Macedo, mas foi com José de Alencar que o romance ganhou os seus melhores
momentos. Manuel Antônio de Almeida, Bernardo Guimarães e Taunay são escritores
de destaque no período.
Joaquim
Manuel de Macedo
(1820-1882): as tramas de Macedo seguem os padrões do Romantismo europeu, mas a
ação está no ambiente brasileiro. A maioria de seus livros gira em torno de
namoricos, dos quais registra os negaceios e intrigas. As personagens são moças
provindas das camadas mais abastadas e os rapazes são puros de sentimentos –
grandes estímulos para um final feliz. Podemos notar que o dote da mulher é o
meio de assegurar ou conseguir uma posição social. Cabe-lhe o mérito de ter
lançado a ficção brasileira na senda dos costumes urbanos e de procurar
refletir fielmente os de sua cidade. O certo realismo familiar – namoros,
alusões à política, as modas, os passeios de barco, os saraus, os domingos nas
chácaras – serve para ilustrar a época em que viveu e, se lhe faltou a força
dos escritores que viriam depois (Alencar, Machado), devemos a ele uma
literatura otimista, pois não lhe faltou boa vontade na confecção de seus
vários romances.
·
A Moreninha: um dos mais famosos romances do
Brasil, narra a história de amor do jovem Augusto pela simpática Carolina (a
Moreninha). Como Augusto tinha juramento, desde pequeno, compromissando-o com
uma menina (juramento feito aos pés de um moribundo), dá-se um choque entre o
compromisso e o amor; mas, para o final feliz, o amor para Carolina vence, e é
descoberto que ela é a mesma jovem do juramento.
Manuel
Antônio de Almeida (1831-1861):
autor de um único volume Memórias de um
Sargento de Milícias, novelas de costumes ambientadas no Rio de Janeiro “no
tempo do rei”, primeiro quartel do século XIX. Por traduzir tendências pouco
associadas ao Romantismo, a obra é considerada ou precursora do Realismo ou,
ainda filiada ao gênero picaresco, porque focaliza o ambiente das camadas
sociais menos privilegiadas. A obra é vazada em linguagem simples e direta, com
excesso de personagens que circulam por todos os lugares sendo, por isso,
registros da forma de vida e dos costumes suburbanos.
·
Memórias de um Sargento de Milícias: Leonardo-Pataca e
Maria-das-Hortaliças têm um filho ilegítimo – Leonardo. O filho é enjeitado
pelo pai e pela mãe, sendo criado pelo padrinho e pela madrinha. Desde pequeno
apresenta-se propenso a toda espécie de malandragem e, quando cresce, Leonardo apaixona-se
por Luisinha. Mas Luisinha, por imposição de sua madrinha, casa-se com José
Manuel. Nesse intervalo, Leonardo entra para a milícia, chegando a ser
sargento. Passa para a reserva e casa-se com Luisinha que havia ficado viúva. A
ação é no rio de Janeiro, no primeiro quartel do século XIX.
Desdobrando-se no tempo (passado e
presente) e no espaço (cidade, campo, litoral e interior), Alencar, de certa
forma, procura descobrir o Brasil. Ao passado, engrandece; ao presente,
menospreza a vida em sociedade, o progresso, deplora as relações dos cidadãos
da Corte, sujeitos ao dinheiro, fazendo que o escritor valorize e idealize a
vida no campo, o contato do homem com a natureza, o selvagem. Nos romances
indianistas, regionalistas e históricos, consegue da forças ao herói,
modelando-o de acordo com os fundamentos do Romantismo. Nos romances nativas (Iracema, O Guarani e Ubirajara) são os
índios, refletindo o mito do bom selvagem. Nos regionalistas (O Gaucho e O Sargento), a valentia e
nobreza estão nas mãos e na força do sangue. Se valoriza o nativo, sabe também
valorizar o colonizador branco. Suas personagens estão sempre em contato com a
grandiosidade da natureza, pois a civilização, o progresso, podem acabar com a
beleza primitiva.
No romance urbano, coloca as “razões
do coração” como base do enredo, não deixando de mostrar o brilho da Corte.
Relata, de forma indireta, a situação da burguesia no Segundo Reinado,
principalmente o valor do dinheiro. Lucíola
e Senhora são dois livros em que o
autor coloca equilibradas as ações da mulher e do homem. Se não soube dar
profundidades aos temas – a prostituição, no primeiro; o casamento por
dinheiro, no segundo – pôde criar, tornar suas personagens mais humanas, isto
é, conseguiu um maior amadurecimento interior, abrindo caminho para as grandes
personagens de Machado de Assis.
Alencar abusa, algumas vezes, das
descrições. É versátil e límpido nos diálogos, idealizador das relações humanas
tanto no campo/selva como na cidade. Extremamente detalhista, reflete aspectos
exteriores que compõem a personalidade de uma personagem ou os lances da vida
do século XIX. Grande divulgador do gênero romance, principalmente a partir da
fama que teve com O Guarani.
·
Senhora: uma pobre moça (Aurélia) herda,
inesperadamente, uma grande fortuna de seu avô, passando a viver luxuosamente.
Entrementes, reaparece Fernando, que havia sido seu noivo, quando pobre, e a
havia abandonado pelo dote de Adelaide. Aurélia, por vingança, compra-o. Após o
casamento a jovem demonstra todo o seu desprezo pelo marido “vendido”,
começando a viver uma vida ambígua – na sociedade, “dos pombinhos”; em casa,
“dois desconhecidos”. Fernando recupera a soma necessária para devolver à
esposa e comprar a sua liberdade. Aurélia, diante da atitude do marido,
mostra-se submissa e propõe a reconciliação.
·
Iracema: “A virgem dos Lábios de Mel”
apaixona-se por Martim, guerreiro português. Os dois amantes fogem em companhia
de Poti e vivem um belíssimo amor na floresta; mas os trabalhos de guerra
separam os felizes esposos. Iracema morre após ter uma criança – que viria
simbolizar a origem do povo brasileiro, segundo os românticos.
·
O Guarani: D. Antônio de Mariz instala-se
(século XVI) às margens do rio Paquequer, com toda a família. Em conflito com
os índios aimorés, por causa de um acidente que leva à morte uma índia, o nobre
procura evitar maior trucidamento dos indígenas. Conta, para tanto, com a ajuda
do valente guerreiro Peri. D. Antônio pede a Peri que salve sua filha Cecília
(pede qual o índio devota uma verdadeira adoração), levando-a para a Corte, e
faz explodir sua casa, evitando a morte dos selvagens. A pena de Alencar nunca
teve mais inspirada, conseguindo definitivamente o aplauso do público leitor. A
crítica considera o romance a maior realização do nosso indianismo: por um
lado, focaliza-se um episódio histórico (colonização do Brasil), por outro, tem
como protagonista um índio, elevado a categoria de um verdadeiro herói. A
natureza está presente em descrições minuciosas da fauna e da flora, que dão
colorido ao cenário.
OUTROS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS
Apontam-se ainda como figuras de
destaque do romance romântico: Bernardo Guimarães – A escrava Isaura; Taunay – Inocência,
A Retirada da Laguna; Franklin Távora – O
Cabeleira, respectivamente tratando da oposição mal/bem nas relações
senhor- escravo: Taunay focalizando com certo naturalismo as regiões de Mato
Grosso e descrevendo o episódio da Guerra do Paraguai e Franklin Távora
tentando dar ao regionalismo base e programa.
PASSEANDO
PELO REALISMO/NATURALISMO DA LITERATURA BRASILEIRA
O movimento romântico no Brasil começa
a declinar na década de 80; em 1881, com Memórias
Póstumas de Brás Cubas e O Mulato,
a influência realista e naturalista já está presente com toda a sua força. O
Realismo e o Naturalismo são movimentos literários que perduram até os
primeiros decênios do século XX e ganham estabilidade no final do século XIX.
Influenciados pelo positivismo e pelo determinismo, seguem duas linhas: um
romance voltado para a análise social das classes mais abastadas do Rio,
enfocando aspectos políticos (Machado de Assis), e um romance voltado para a
análise do comportamento humano em coletividades menos abastadas, estabelecendo
o homem como fruto do meio, e este meio mais os caracteres hereditários
esbarram no patológico (Aluísio Azevedo).
Autores
e Obras do Realismo / Naturalismo
Aluísio Azevedo (1857 – 1913): escreve vasta obra,
moldada dentro dos princípios naturalistas, procurando enfocar as deturpações
humanas e as taras sociais. Nesta conduta crítica, analisa o racismo, os
problemas de um clero obsoleto e criminoso, o provincianismo, a decadência
social e pessoal registradas em agrupamentos humanos. De linguagem clara e
correta, mostra a predileção por modelos portugueses, sobretudo Eça de Queirós.
◊
O
Mulato: ambientado em S. Luís do Maranhão,
constitui um hábil registro de uma sociedade burguesa e preconceituosa,d o
final do século XIX. Após estudos na Europa, Raimundo regressa à sua terra, a
fim de liquidar seus bens e posteriormente seguir para a Corte, onde se
estabeleceria como advogado. Também desejava desvendar o mistério de sua origem
e nascimento. Hospeda-se e, casa do tio Manuel Pescada e apaixona-se pela
prima, Ana Rosa. O pai da noiva não permite o casamento por ser Raimundo mulato
(filho da escrava Domingas). Os mistérios foram sendo revelados pouco a pouco;
surge o assassino do pai, o cônego Diogo. Já a essa altura o ambiente era
sufocador e o rapaz abandonaria a cidade, não fosse a gravidez da noiva. O
cônego Diogo, temeroso de uma represália, insufla em Luís Dias , empregado de
Manuel Pescada e apaixonado de Ana Rosa, o desejo de matar o mulato. Quando se
preparava para abandonar S. Luís, Raimundo é assassinado e sua noiva após
abortar acaba por se casar com o assassino, Luís Dias. Já se assinalou que a
grande personagem do romance O Mulato é
a cidade de S. Luís do Maranhão, onde o autor consegue focalizar, com riqueza
de detalhes, o meio ambiente do final do século. Anticlericalismo e tratamento
mais desenvolto do amor, narrativa lenta e minuciosa são algumas
características do volume.
◊
O
Cortiço: forma, com O Mulato e Casa de Pensão, a tríade dos melhores romances do autor maranhense.
Como o próprio título sugere, o enredo gira em torno de uma das chagas sociais
do Rio: a habitação coletiva. A promiscuidade, a falta de travas morais, a
sedução (amolecedora do caráter) e o ambiente acabam por determinar quantos aí
moram, como é o caso do português Jerônimo, cheio de força física e moral ao
chegar de sua terra, ou o da adolescente Pombinha, levada à prostituição. A
habitação é toda promíscua; a exaltação sexual e a exploração, devido à
inexperiência, são constantes. Tudo isso serve de pano de fundo para a ascensão
social do português João Romão, em concorrência com seu patrício, o comendador
Miranda, representado pelo sobrado, constitui o fulcro da obra. O drama é
absoluto da primeira á última página do livro, culminando com o suicídio de
Bertoleza, amante de João Romão.
Machado
de Assis (1839 –
1908): maior escritor brasileiro do século XIX e um dos maiores de todos os
tempos, cultiva todos os gêneros literários com o talento que lhe é
característico, sobressaindo-se como ficcionista, num estilo original,
descompromissado com os padrões estéticos da época, focalizando o homem no que
tange aos aspectos psicológicos. Sua obra é dividida em duas fases, uma antes e
outra depois de 1881. Memórias Póstumas
de Brás Cubas é o divisor não só da
literatura brasileira (Romantismo/Realismo), mas também divisor da obra
machadiana. Nas sua principais obras apresenta estilo maleável, tempera o
pensamento com o humor, investe na análise do homem como ser psicológico e
social. Quanto à técnica de narrar, o escritor deixa-se levar por uma lógica
interna, inerente á sua narrativa, quebrando a linearidade temporal imposta
pelos românticos. Urbano por excelência, focaliza a sociedade abastada do Rio
de Janeiro na segunda metade do século XIX, nunca deixando de refletir com
pessimismo e fina ironia as banalidades da vida social e as múltiplas máscaras
que encobrem o homem.
Machado, além de romancista,
desenvolve-se plenamente em outros gêneros literários, principalmente em prosa.
É hábil contista, dominando a técnica da narrativa curta, e com sutileza, a
ironia e fino humor repassa os principais temas do romance. É em prosa ainda
que se destaca na crônica, portando-se como observador arguto do momento
político e social, sempre com tendências á ironia e á reflexão. Na poesia, não
se deixou arrastar nem pelos excessos românticos, dosando bem a
sentimentalidade de seus próprios poemas, tampouco pela rigidez da poesia
parnasiana, embora tivesse preferência por forma fixa (como por exemplo, o
soneto). Em seus versos há moderação denunciando a decadência romântica – poesia
de reflexão filosófica e de investigação da natureza humana. Manuel Bandeira
assinala “O Desfecho”, “Círculo Vicioso”, “Uma criatura”, “A Artur de Oliveira,
Enfermo”, “Mundo Interior”, a tradução de “O Corvo”, “A Mosca Azul”, “Spinoza”,
“Soneto de Natal”, “Carolina”, “Menina Moça”’, “Sinhá”, como algumas de suas
melhores poesias. Na crítica, conta com estudos sobre o teatro de José de
Alencar, Macedo e Gonçalves de Magalhães, mas é através do ensaio “Notícias da
Atual Literatura Brasileira – Instituto de Nacionalidade” que nos dá sua melhor
crítica. Nesse ensaio, Machado reconhece a literatura brasileira desde Basílio
da Gama e Durão. Finalmente, como teatrólogo é que Machado surgiu em nossas
letras. A maior parte de suas peças foram escritas na mocidade, servindo acima
de tudo, como alicerces para o futuro escritor. Os críticos consideram Quase Ministro a sua melhor peça, onde
satiricamente coloca, com a mesma versatilidade, parasitas e ministros de nossa
política.
◊
Memórias
Póstumas de Brás Cubas: Brás
Cubas escreve suas memórias após a morte e os acontecimentos imediatamente
anteriores. Através de um salto, volta à infância e começa a sequência
cronológica dos fatos, relatando seus amores adolescentes (Marcela), seu caso
amoroso com a esposa de Lobo Neves (Virgília) e seu relacionamento com o
filósofo Quincas Borba. Narrado em primeira pessoa 9por um autor onisciente),
não se desenvolve no tempo – é independente dele; ajustado pela memória
narrativa retrospectiva, põe em evidência um morto analisando a si e aos
outros.
◊
Quincas
Borba: 2º romance da
melhor fase machadiana. Rubião herda a fortuna do filósofo fundador do
humanitismo, tendo como única condição a de tomar conta do cão que recebera o
nome do filósofo – Quincas Borba. De posse da fortuna, Rubião sai de Barbacena
rumo à Corte, conhece Sofia e seu marido Cristiano Palha. Apaixona-se por
Sofia, que não lhe dá esperanças, mas também não as retira. Cristiano Palha,
enquanto isso, através de artimanhas comerciais, toma toda a fortuna de Rubião.
Ao final, sem o afeto de Sofia e sem fortuna, retorna a Barbacena em companhia
de Quincas Borba, o cão. Atravessa um período de demência, proclama-se
imperador, convencido de sua semelhança com Napoleão, e morre. Narrado em 3ª
pessoa, é considerado seu romance mais objetivo. A narração situa-se no real e
o autor paira acima de todas as personagens (onisciência). Desenvolve, com
técnica perfeita, o painel social da época, quer pela evolução gradativa do
enredo, quer pelo jogo que muitas vezes remonta a narrativa no tempo, quer
ainda pela revelação progressiva do caráter dos personagens, em suma, pela
condução geral do processo narrativo.
◊
Dom
Casmurro: Bentinho
(D. Casmurro) e Capitu cresceram juntos e desde cedo trocam confidências como
verdadeiros namorados. A mãe do jovem sonhava vê-lo padre, e teria seus sonhos
realizados se não fosse a interferência do agregado José Dias, pela influência
de Capitu e pelo auxílio de Escobar, um amigo de seminário. Bento estuda
Direito e após a formatura realiza seu grande sonho – casa-se com Capitu. O
casal transcorre algum tempo sem filhos, nutridos na solidão pela companhia do
amigo Escobar e Sancha, sua mulher. Até que lhes nasce um filho, Ezequiel.
Bentinho, com o passar do tempo, vai notando que Ezequiel apresenta características
do amigo. Escobar morre, e Bentinho parece ver na figura de Capitu a confissão
da culpa. Escrito em 1ª pessoa, elaborado de maneira retrospectiva. Em todo o
processo narrativo, o autor mais sugere que afirma, pelo fato de perceber
somente uma parcela do real; e é nessa parcela que o romance é desenvolvido.
Raul
Pompéia (1863 –
1895): destaca-se, pela originalidade de seu livro memorialista O Ateneu. Impermeável a qualquer
classificação literária, passando pelo Realismo-Naturalismo e sendo considerado
precursor do Impressionismo, misto de ficção e memória, tendendo para o diário
e o romance. O autor o intitula de “Crônica de Saudades”.
◊
O
Ateneu: gira em torno
da vida de um menino ingênuo, Sérgio, no internato de Aristarco Argolo de
Ramos. Sem haver propriamente um enredo, mas uma justaposição de quadros., vão
desfilando, durante a narração, as personagens e as situações de um colégio, em
que se escondem todas as gamas da baixeza e
do fingimento humano; desde protecionismos até falsidade dos amigos.
Diretor e mulher (D. Ema), professores e alunos, todos vivem numa atmosfera
saturada e falsa, forjada pela vaidade do diretor Aristarco. A sucessão de
flagrantes impressionistas culmina com o incêndio do Ateneu, ateado por um
estudante. Romance introspectivo, semelhante aos de Machado de Assis, embora o
espírito romanesco machadiano seja bem mais frio e comedido. Escrito em
primeira pessoa, traduz uma tomada de consciência da realidade por parte do
protagonista. O Ateneu é uma
tentativa de aprofundamento de análise dos subterrâneos da memória e do
inconsciente.
Outros Autores e Gêneros do Período
No panorama do Realismo/Naturalismo,
alguns romancistas merecem destaque: Júlio Ribeiro, autor da polêmica A Carne, em que as ideias naturalistas
são levadas até a última instância, com total predomínio do instinto sobre a
razão. Inglês de Sousa é outro escritos de tendências naturalistas. Autor de O Missionário, obra com que se destaca
na literatura brasileira, focaliza o condicionamento do homem ao meio físico em
que vive. No regionalismo, afiguram escritores como Domingos Olímpio e Manuel
de Oliveira Paiva. E, finalmente, como destaque, a figura do muito lapidado
escritor Coelho Neto.
No período, surgem outros gêneros
como: estudos filosóficos e científicos, oratória civil, os estudos históricos
e escritos publicísticos, a gramática, a crítica literária. Ganha, destaque
nomes como Rui Barbosa, Tobias Barreto, Joaquim Nabuco, entre outros. Nos
estudos críticos destacam-se Sílvio Romero e José Veríssimo.
Teatro
Realista
Não foi muito fértil a manifestação do
teatro no Realismo. Encontramos como representantes no gênero: Machado de
Assis, Artur Azevedo e França Júnior (1838-1890), todos com dom de observação,
traçando quadros de nossos costumes e tendo como personagens o homem brasileiro
comum. Os dois últimos apresentam a mesma linha teatral de Martins Pena.
PARNASIANISMO
Na poesia, as manifestações
anti-românticas situam-se no decênio de 70, ganhando corpo a partir de 1882,
com o advento da escola parnasiana. O maior poeta do Parnasianismo foi Olavo
Bilac, que estréia em 1888 com o volume Poesias.
Como principal característica da poética
parnasiana, está a busca pelo verso perfeito, a rima rica, o português
casto, o verso bem construído. Como temas prediletos estão o amor sensual, o
patriotismo ufanista, a natureza, todos com constantes evasões para a mitologia
greco-romana ou para os aspectos descritivos.
Autores
Parnasianos
Olavo
Bilac (1865-1918):
quando Bilac estreou, já estava plenamente declarado o Parnasianismo entre nós,
tendo como antecessores Alberto de Oliveira e Raimundo Correia que, num artigo
em conjunto, assinalaram o aparecimento de Poesias.
O volume Poesias é composto de um prefácio, “Profissão de Fé”, que é um
verdadeiro manifesto parnasiano. O livro é composto de três partes. Panóplias – poemas elaborados segundo
modelos parnasianos; Via Láctea –
poesias lírico-amorosas; e Sarças de Fogo
– poemas eróticos. Em Bilac, ao lado de uma poesia disciplinada e formal,
vertendo os temas prediletos dos parnasianos, nota-se certo lirismo amoroso
próximo da cadência romântica; certo apego a elementos da natureza, sobretudo
às estrelas, as quais o poeta toma por confidentes; é ainda um poeta de
acentuada tendência filosófica e nacionalista.
Raimundo
Correia (1859-1911):
versátil sonetista, e especializado em poemas que procuram refletir os estados
e dramas da alma humana como em “As Pombas”, “Mal Secreto”, “Banzo”.
Alberto
de Oliveira(1857-1937):
poeta tipicamente parnasiano, mestre na arte de lapidar a linguagem poética e
na impassibilidade das descrições exemplificadas em “Vaso grego”, “Vaso
chinês”, “Taça de Coral”.
Vicente
de Carvalho(1866-1924):
foi por excelência o poeta do mar, o que monopoliza suas imagens, (“Palavras ao
Mar”, por exemplo): mas, além dos espetáculos da natureza, soube cultivar o
lirismo amoroso e filosófico como demonstra em “Velho Tema”, poema tipo épico
como os considerados obras-primas “Fugindo do Cativeiro”, “Em Plena Serra do
Mar”, “Em Plena Mata”.
Passeando
por poemas de Olavo Bilac
Um beijo
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...
Ouvir
Estrelas
Ora ( direis ) ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouví-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas
Ora ( direis ) ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouví-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas
Remorso
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
Maldição
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
_ Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
_ Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
PASSEANDO PELO SIMBOLISMO
O Parnasianismo foi a escola poética
de primeira grandeza até 1922 quase impedindo o florescer do Simbolismo. Segue
duas correntes, cada uma delas com um vulto de especial grandeza nas letras
nacionais. A primeira tende a focalizar a transfiguração da condição humana,
atribuindo-lhe horizontes transcendentais, representada pela poesia de Cruz e
Sousa. A outra traz para a literatura o elemento místico-religioso que faz da
morte o objeto de uma liturgia cheia de sombras e lamentos como está
transparente na poesia de Alphonsus de Guimaraens.
Cruz
e Sousa (1861 –
1898): poeta de formação realista, adere posteriormente ao Simbolismo (estética
da qual seria o iniciador entre nós, com a publicação de Missal – poemas em prosa e Broquéis).
Sua obra, por isso, guarda sempre a preocupação formal caracteristicamente
parnasiana e, por outro lado, o pessimismo e o materialismo dos realistas.
Combina essas tendências com a musicalidade simbolista. Influenciado por
Baudelaire e Antero de Quental, os traços fundamentais da obra de Cruz e Sousa
são: grande poder lingüístico e conhecimento profundo da língua, permitindo
trabalhar a palavra e a poesia; o senso trágico, a busca pela transcendência
poética e, no final da vida, pelo conformismo cristão.
Alphonsus
de Guimaraens (1870 –
1921): reparte com Cruz e Sousa as glórias do Simbolismo brasileiro. Com versos
simples e melódicos, traduz com profunda ternura e melancolia seus temas mais
caros – amor e morte. Considerado o grande poeta místico da literatura
brasileira, o espiritualismo é visível não apenas em sua obra de aspecto
religioso, como também nas outras poesias onde deixa transparecer um clima
medieval e misterioso.
São ainda importantes no Simbolismo
Pedro Kilkerry, poeta de acentuado gosto pela sondagem do inconsciente, fazendo
do onírico um de seus motivos prediletos, e Emiliano Perneta, cuja poesia de
religiosidade cristã cultivada no final da vida constitui exemplo do mais puro
misticismo simbolista.
Flores da Lua
Cruz e Sousa
Brancuras imortais
da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolência...
Sonhos brancos da Lua e viva essência
Dos fantasmas noctívagos da Cova.
Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormência...
Na mais branda, mais leve florescência
Tudo em Visões e Imagens se renova.
Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
Monótono, infinito, estranho e lasso...
E das Origens na luxúria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.
Frios de nostalgia e sonolência...
Sonhos brancos da Lua e viva essência
Dos fantasmas noctívagos da Cova.
Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormência...
Na mais branda, mais leve florescência
Tudo em Visões e Imagens se renova.
Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
Monótono, infinito, estranho e lasso...
E das Origens na luxúria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.
Esquecimento
Cruz e Sousa
Ó meu verso,
ó meu verso, ó meu orgulho,
meu tormento
e meu vinho,
minha sagrada
embriaguez e arrulho
de aves
formando ninho.
Verso que me
acompanhas no Perigo
como lança
preclara,
que este
peito defende do inimigo
por estrada
tão rara!
Ó meu verso,
ó meu verso soluçante,
meu segredo e
meu guia,
tem dó de mim
lá no supremo instante
da suprema
agonia.
Não te
esqueças de mim, meu verso insano,
meu verso
solitário,
minha terra,
meu céu, meu vasto oceano,
meu templo,
meu sacrário.
Embora o esquecimento
vão dissolva
tudo, sempre,
no mundo,
verso! que ao
menos o meu ser se envolva
no teu amor
profundo!
Ismália
Alphonsus de
Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
PASSEANDO PELO
PRÉ-MODERNISMO DA LITERATURA BRASILEIRA
A Literatura
realista/naturalista junta-se, no início do século XX, a uma
problemática de conscientização social, inovando o enfoque realista e abrindo
divisas para a literatura brasileira. É o Pré-Modernismo. Transparece no ensaio
sociológico de Euclides da Cunha, na vivência urbana de Lima Barreto e nas
restrições humana ao meio econômico-social de Monteiro Lobato.
Lima Barreto (1881 – 1922): de
linguagem machadiana no comportamento de análise social, foi além de Machado no
combate aos padrões nacionalistas, sociais e intelectuais de uma época. Procura
atingir o âmago dos problemas, numa obra bem arrojada e madura. De estilo
espontâneo e claro, retrata os subúrbios cariocas de fins de século, mostra as
condições do homem numa sociedade preconceituosa racial e culturalmente. Em Recordações do Escrivão Isaías Caminha,
junta elementos biográficos ao quadro geral de sua ficção. Em seu principal
romance, Triste fim de Policarpo Quaresma,
ridiculariza o nacionalismo ufanista através de situações patéticas, nas quais
é envolvido o personagem Policarpo. Ridiculariza a literatura da época,
acusando-a de acadêmica e sem grandes aberturas, em Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá.
◊ Triste fim de Policarpo
Quaresma: Policarpo
Quaresma, patriota ferrenho e nacionalista extremado, alegando que o português
não é a língua brasileira, propõe a instauração do tupi como língua oficial.
Pouco a pouco sua ideia transforma-se em mania, até que vaza em tupi um
requerimento na repartição onde trabalha. Considerado louco, vai para um
hospício. Curado, entrega-se de corpo e alma à agricultura, mas estoura a
revolta contra Floriano Peixoto e o major Quaresma se apresenta ao ditador para
servi-lo. Designam-no para chefiar uma guarnição. No ápice da crise, escreve
uma carta a Floriano, condenando-o em certas iniciativas. Incompreendido, é
preso, julgado e condenado à morte.
Euclides da Cunha (1866 – 1909): em missão
jornalística seguiu para o interior da Bahia a fim de fazer cobertura da
rebelião de Canudos para o jornal “O Estado de São Paulo”. Colhe todo material
que lhe cai às mãos sobre a rebelião, dos antecedentes aos momentos da luta,
para elaborar sua obra máxima – Os
Sertões. A linguagem lapidada, a procura do termo correto e adequado ao
objeto retratado, o vasto vocabulário fazem da literatura euclidiana um exemplo
da extensão do estilo barroco entre nós.
◊ Os Sertões: obra que assegurou
autonomia e maioridade à inteligência nacional, que tem visto nela aspectos
científicos e aspectos artísticos. Gravita em torno de dois eixos, “O Homem” e
“A Terra”, fazendo descrições minuciosas da terra, do homem e da luta,
esbarrando em níveis históricos e sociológicos. Seguindo o esquema
determinista, Euclides da Cunha divide o livro em três partes: as condições
geográficas (a terra); a sociedade mestiça, seus costumes (o homem) e o
conflito entre a sociedade rústica e a urbana, no caso a grande campanha contra
os fanáticos guiados pelo líder Antônio Maciel (o Conselheiro) até o
esmagamento de seu reduto (a luta). Euclides procura mostrar através de um
inspirado “determinismo rígido” que os sertanejos de Canudos eram mais vítimas
que culpados, produto que foram de um conjunto de fatores geográficos, raciais
e históricos.
Monteiro Lobato (1882 – 1948): último
representante de destaque do Pré-Modernismo, estréia em 1918 com o volume de
contos Urupês, criando um dos tipos
mais importantes da literatura do Brasil, o Jeca-Tatu, caboclo nada idealizado
que lança o regionalismo a novas dimensões. Ainda no conto, registra a situação
de decadência das cidades do Vale do
Paraíba causada pela crise do café em Cidades Mortas. Aborda a temática social em Negrinha e enceta personagens antológicos que são recolhidos do
meio rural brasileiro: Emília, o Visconde de Sabugosa, o Marquês de Rabicó,
Dona Benta, entre outros. Foi contrário à revolução modernista de 1922, embora
Oswald de Andrade o considere um verdadeira revolucionário, principalmente com
referência ao volume Urupês.
Negrinha
Monteiro
Lobato
Negrinha
era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de
cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera
na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos
escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que
a patroa não gostava de crianças.
Excelente
senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar
certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no
trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as
amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora
em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da
moral”, dizia o reverendo.
Ótima,
a dona Inácia.
Mas não
admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem
filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava
o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança,
gritava logo nervosa:
— Quem
é a peste que está chorando aí?
Quem
havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa
abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal,
torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.
— Cale
a boca, diabo!
No
entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses
que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim
cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã
aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não
compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A
mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos.
Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria
no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si,
num desvão da porta.
—
Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha
imobilizava-se no canto, horas e horas.
—
Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava
os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o
relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho!
Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra
vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.
Puseram-na
depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que
idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho?
Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado,
mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha
conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a
bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se
logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e
suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida —
nem esse de personalizar a peste...
O corpo
de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa
todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os
cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos
em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos
fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A
excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da
escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir
cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa
indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer
coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma
novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de
Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana.
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai!
Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha
de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão
fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de
orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a
duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta
da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela:
roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de
marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!
Era
pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo
maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com
aquela história do ovo quente.
Não
sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um
pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a
revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.
—
“Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona
Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
— Eu
curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual
perua choca, a rufar as saias.
— Traga
um ovo.
Veio o
ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na
prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes
envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula
alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha
cá!
Negrinha
aproximou-se.
— Abra
a boca!
Negrinha
abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher,
tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de
dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou
surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber
aquilo. Depois:
— Diga
nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a
virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário
que chegava.
— Ah,
monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã,
filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A
caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.
— Sim,
mas cansa...
— Quem
dá aos pobres empresta a Deus.
A boa
senhora suspirou resignadamente.
— Inda
é o que vale...
Certo
dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas,
pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de
plumas.
Do seu
canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do
céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha
olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra
os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.
Mas
abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria
tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão,
Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos
anjos.
Mas a
dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e
nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não
se enxerga”?
Com
lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo
que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no
cantinho de sempre.
— Quem
é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem
há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me
corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem,
filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.
—
Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no
canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o
cuco.
Chegaram
as malas e logo:
— Meus
brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma
criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que maravilha!
Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim
tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos
amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de
êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome
desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É
feita?... — perguntou, extasiada.
E
dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar
sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo,
e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito,
sem ânimo de pegá-la.
As
meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca
viu boneca?
—
Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?
Riram-se
as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como
é boba! — disseram. — E você como se chama?
—
Negrinha.
As
meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha
perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
—
Pegue!
Negrinha
olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo
Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega
o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de
olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e
os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao
colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona
Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era
tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a
força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E
pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao
percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça
a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis
lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou
tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas
palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão
todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha
ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais
a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se
alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a
pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na
mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos
divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos
filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha,
coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão!
Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como
fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de
ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era
coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim
foi — e essa consciência a matou.
Terminadas
as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao
ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente
transformada.
Dona
Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa
de coração, amenizava-lhe a vida.
Negrinha,
não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de
susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele
dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso
inferno, envenenara-a.
Brincara
ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca
loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera
realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
Morreu
na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais,
entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas,
todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em
torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça
— abraçada, rodopiada.
Veio a
tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num
disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu
de boca aberta.
Mas,
imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se
apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo
se esvaiu em trevas.
Depois,
vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma
miséria, trinta quilos mal pesados...
E de
Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das
meninas ricas.
—
“Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra
de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como
era boa para um cocre!...”
PASSEANDO PELO MODERNISMO
DA LITERATURA BRASILEIRA
Apesar do espírito inovador dos pré-modernistas, as letras
brasileiras vivem o clima formal e rigoroso do Parnasianismo. Esse clima está
longe das ruas, do povo, e é a favor de uma literatura mais coloquial, mais
próxima do popular que o movimento modernista se lança. Com uma mostra do que
há de revolucionário no campo das artes e numa tentativa de enfocar o povo, em
sua linguagem, sua cultura, é que foi realizada a Semana de Arte Moderna, em 22, em São Paulo. Repassando
o folclore, o regional, a realidade brasileira, transporta esses aspectos para
a literatura (prosa, poesia e teatro), para as artes plásticas (escultura e
pintura) e para a música. Dentre os participantes, destacam-se na literatura:
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira (que
envia seus versos do Rio), Menotti Del Picchia, Graça Aranha e outros. Nas
artes plásticas, destacam-se pintores como Di Cavalcanti, Anita Malfatti e, no
campo da escultura, Vítor Brecheret. A música conta com Villa-Lobos, a maior
expressão do vanguardismo brasileiro.
1ª Geração (1922 – 1930)
Também chamada de fase heróica do Modernismo, esta geração
caracteriza-se pelo repúdio ao passado literário no que tange ao formalismo e à
lapidação da linguagem, por isso abomina os poetas parnasianos, o soneto, o
português puro e casto. Propõe a liberdade formal através do verso livre, a
linguagem coloquial, “sem macaquear a sintaxe lusíada”. Com espírito polêmico e
destruidor, ataca o tradicionalismo, procura temas abertos que vão do registro
de aspectos urbanos, com predileção por São Paulo, até a recuperação do
primitivo colonial, do indianismo e do folclore nacional.
Mário de Andrade (1893 –
1945):
estréia em 1917 com versos de reflexão acerca da 1ª Grande Guerra e publica Há uma Gota de Sangue em cada Poema. Em 1922, com Paulicéia Desvairada, há o
primeiro desvio sistemático dos velhos códigos literários com a chamada “poesia
telegrama”. Usa de toda liberdade formal e procura destruir a sintaxe tradicional,
num nacionalismo que busca uma linguagem tipicamente brasileira. Neste volume,
o poeta traz algumas de suas principais temáticas: São Paulo, a cidade, a
mudança de paisagem e o homem, trazendo uma nova linguagem. Mário de Andrade é
um dos primeiros a incorporar pregões ítalo-paulistanos, chegando a textos
bilíngües. Apresenta-se coloquial e irônico.
Clã do Jabuti e Remate dos Males (poesias escritas entre 1927/30 já incorporam à
poesia de Mário a dimensão da pesquisa folclórica. Mário de Andrade foi um
folclorista maduro, “capaz de sondar a mensagem e os meios expressivos da nossa
arte primitiva nas áreas diversas (musicalmente, na dança e na medicina)”.
Fazem parte desses livros as poesias “O Poeta Come Amendoim”, “Carnaval
Carioca” e os poemas inspirados nas tradições folclóricas: “Toada do Pai do
Mato”, “Lendo da Céu”, “Coco Major”, etc.
Também dedicou-se à prosa, renova a estrutura narrativa do conto em Contos
Novos e escreveu uma obra-prima de pesquisa e linguagem
em Macunaíma.
◊ Macunaíma (o herói sem
nenhum caráter) – estudo do caráter nacional. Essa rapsódia (como o próprio
autor a classifica) conta as aventuras de Macunaíma, herói ameríndio. Como mito
e símbolo da libertação do inconsciente coletivo, Macunaíma metamorfoseia-se ao
sabor da imaginação popular, daí vindo o seu “nenhum caráter”. Depois da morte
da mulher (Ci, mão do mato), Macunaíma perde a pedra-talismã que ela lhe deu, a
“muiraquitã”. Encontra-a nas mãos do mascate peruano Venceslau Pietro Pietra, em São Paulo. Seus
dois irmãos, Maanape e Jiguê, acompanham o herói nas suas aventuras. O
comerciante é o gigante Piaimã, comedor de gente. Através de artimanhas do
herói, o gigante é derrotado, Macunaíma volta ao Amazonas e depois de umas
últimas aventuras morre, ou melhor, transforma-se em estrela da constelação
Ursa Maior. A linguagem de Macunaíma é próxima da oralidade folclórica,
utilizando uma linguagem que a rigor não é de nenhuma religião específica.
Processo de metamorfose do pensamento selvagem (tudo vira tudo).
Oswald de Andrade (1890 –
1954): um
dos mais dinâmicos membros do Modernismo. Lança os movimentos Pau-brasil (1924)
e Antropófago (1927).
Nos seus dois principais romances, Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande, Oswald propõe-se a toda revolução formal
apregoada pelo Modernismo, utilizando, para isso, uma linguagem telegráfica com
rupturas sintáticas, capítulos-relâmpagos, instantâneos, capítulos-sensações;
criação de neologismos; monólogo interior; técnica cinematográfica, seguindo na
prosa o que Paulicéia Desvairada foi
na poesia. A poesia oswaldiana utiliza uma linguagem coloquial, econômica e
sintética, trazendo temas cotidianos varados de humor e ironia.
Antônio de Alcântara
Machado (1901 – 1935): adere ao movimento modernista e colabora em revistas como Terra Roxa e Outras Terras e na Revista de Antropofagia. Publica duas
pequenas coleções de contos, Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da China. Esses contos, cujo
assunto é extraído de bairros de São Paulo, primam pela expressividade e
concisão. Além disso, traz os aspectos pitorescos da vida paulistana,
principalmente a influência do imigrante italiano sobre os costumes e sobre a
língua falada nos bairros que dão nome à obra.
Manuel Bandeira (1886 –
1968):
Entra em contato com o melhor da poesia simbolista e pós-simbolista francesa,
de onde retira material para sua poesia inicial (Cinza das Horas e Carnaval). Foi acolhido pelo grupo modernista
como irmão mais velho e desse grupo recebe impulso inovador que determinará
seus próximos volumes (Libertinagem e
Ritmo Dissoluto). Dedica-se quase que exclusivamente à arte de escrever, na
qual se destacam poesia, crônica literária, traduções e obras didáticas de
nível superior. Bandeira coloca em sua obra poética, obrigatoriamente, o
biógrafo de cunho melancólico e irônico. Adolescente, tuberculoso, transporta
para sua obra a tristeza que o invade. A presença do coloquial, a tese social e
o folclore negro são constantes em suas produções. É autor da primeira
autobiografia poética, “Itinerário de Pasárgada”, onde explica sua gênese
poética. Escreve também crítica e história da literatura.
Cassiano Ricardo (1895 –
1974):
vem de clima parnasiano-simbolista. Adere, posteriormente, ao movimento
modernista, fazendo parte do grupo verde-amarelo. São dessa fase Borrões de Verde e Amarelo, Vamos Caçar Papagaios e seu mais
importante volume, Martim Cererê,
obras de profunda tendência nacionalista. Passa dessa fase para uma poesia
interiorizada e, ao mesmo tempo, começa a incorporar experimentações que levam
a desembocar na Geração de 45 e, mas recentemente, no Concretismo. Em Martim
Cererê , seu mais importante livro, elabora, através da
poesia, uma marcha histórica desde a conquista do Brasil até São Paulo do
século XX.
Poemas de Oswald de
Andrade:
PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Vício da
fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Poemas de
Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como
farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em
Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E
quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulhe r que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulhe r que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia
e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
— O senhor tem uma
escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Andorinha
Andorinha lá fora está
dizendo:
— “Passei o dia à toa, à toa!”
— “Passei o dia à toa, à toa!”
Andorinha, andorinha,
minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa…
Passei a vida à toa, à toa…
Poética
Estou farto do lirismo
comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do
lirismo que não é libertação.
PASSEANDO PELO MODERNISMO – 2ª GERAÇÃO (1930 – 1945)
PROSA
Nessa
geração, há o domínio da prosa, notadamente no romance regionalista ambientado
no nordeste. De feições neo-realistas, os escritores do período abandonam o
vanguardismo da geração anterior, mas dele herdam o despojamento lingüístico e
a liberdade temática, passando do experimentalismo da geração anterior para o
engajamento social e político.
A
nova fase do romance é inaugurada em 1928 com A Bagaceira de José Américo de Almeida, cujo intróito serve de
manifesto para os escritores desta geração. Em 1930, com a publicação de O Quinze, Rafael de Queirós propõe-se a
analisar os problemas sociais do Nordeste, tratando da seca, da miséria, da
condição e dos costumes do trabalhador rural de pequenas propriedades. Na mesma
linha, em 1932, Armando Fontes escreve Os
Corumbas e Jorge Amando publica Cacau.
No ano seguinte saem Menino de Engenho
de José Lins do Rego e Caetés de
Graciliano Ramos. Embora diversificados no estilo e na temática, os escritores
nordestinos de 1930 têm em comum o fato de procurarem fixar o homem e a
realidade social do nordeste.
Ainda
na prosa, devem ser mencionados os escritores mais moderados que aproveitam as
tradições realistas de análise psicológica e social. Alguns apresentam
preocupações metafísicas focalizando com especial amargura os problemas do
homem do século XX. Assim escrevem José Geraldo Vieira, Marques Rebelo,
Cornélio Pena e Otávio de Faria, para citar os mais importantes nomes do Rio de
Janeiro.
A
esse tipo de ficção se ligam escritores de outras regiões como os mineiros Ciro
dos Anjos e Lúcio Cardoso, cujas obras são marcadas pela introspecção, e
notadamente no segundo, surgem preocupações metafísicas ligadas ao sobrenatural
e à morbidez. Mais ligados aos modernistas estão João Alphonsus e Aníbal
Machado.
No
Rio Grande do Sul, o romance introspectivo de sondagem psicológica é
perfeitamente lapidado por Dionélio Machado. Já Érico Veríssimo procura mostrar
o cotidiano das pequenas cidades ou centros urbanos com depoimentos dramáticos
de personagens selecionados da pequena burguesia. Olhai os Lírios do Campo; Clarissa; O Resto é Silêncio são os
romances que evidenciam esse comportamento. A trilogia O Tempo e O Vento marca o início de uma nova problemática. Trata-se
de um romance cíclico, cujo fio condutor é a estória de duas famílias
tradicionais gaúchas que varam os séculos em lutas e desafios. E, por fim, a
intriga dos romances do autor envereda para a política internacional, Senhor Embaixador, e nacional, Incidente em Antares.
José Américo de Almeida (1887-1980): A Bagaceira
constitui um romance de intenção crítica e panfletária numa tentativa de
análise da condição do nordestino, mostrando umas sugestões de reformas que se
fazem necessárias na região.
Raquel de Queirós (1910-2003): seus romances O
Quinze, João Miguel, As Três Marias exprimem preocupação social, mostrando
o Nordeste da seca, do coronelismo e dos impulsos passionais, e sobretudo
registra o aparecimento das reivindicações da mulher e problemas da emancipação
feminina no plano amoroso e social.
José Lins do Rego (1901-1957): soube fundir autobiografia com o registro intenso
da vida nordestina, colhida por dentro, através dos processos mentais de homens
e mulheres que representam a região. Mostra uma situação crítica de decadência
do engenho de açúcar suplantado pela usina: essa situação é vivida tanto pelos
grandes senhores de terra quanto pelos menos privilegiados.
Baseado
em recordações da infância, compõe sua obra com resíduos autobiográficos a
partir de três vertentes: a cana-de-açúcar, o misticismo e o cangaço.
Seus
mais significativos volumes compõem o chamado ciclo do açúcar abrangendo a
trilogia Menino de Engenho, Doidinho,
Bangüê e sua obra-prima Fogo Morto.
◊
Fogo Morto: romance dividido em três
partes, cada uma delas centrada em um personagem: “O mestre José Amaro”; “O
engenho de Seu Lula”; “O capitão Vitorino”. Na primeira parte avulta o mestre
Amaro, ferido no seu orgulho doentio por diversos fatos, o histerismo de sua
filha, a fuga da mulher, o espancamento que sofre da polícia por ter ajudado o
cangaceiro Antônio Silvino – acaba suicidando-se. Na segunda, o coronel Lula
(Luís César de Holanda Chacon), dono do engenho de Santa Fé, não zelando
convenientemente pelas terras, conduz o engenho a “fogo morto”, e é acompanhado
na trajetória da decadência por D.Amélia, sua mulher, cheia de fibra e coragem,
por sua filha Nenen, solteirona melancólica por culpa do pai, e pela cunhada
demente Olívia. O coronel Lula, obcecado pelo orgulho, apega-se aos farrapos de
seu antigo fausto, procura manter o prestígio aos olhos do povo e dos parentes
que igualmente o deploram. A esses dois seres que vivem fechados em si,
contrapõe a excêntrica figura do capitão Vitorino, ou Papa Rabo. O personagem
quixotesco insurge heroicamente contra a prepotência dos senhores rurais,
colocando-se ao lado dos fracos, alheio à mulher e aos filhos. O capitão
Vitorino estabelece a ligação entre o coronel Lula e o mestre José Amaro.
Graciliano Ramos (1892 – 1953): considerado um dos maiores expoentes da Literatura
Brasileira do século XX. Foi o escritor que soube melhor articular a
complexidade do momento histórico da década de 30 num estilo vigoroso, numa
linguagem precisa, exata. Retrata e incorpora a paisagem física aos dramas
vividos pelos personagens, explora tanto o drama social quanto o psicológico.
◊
São Bernardo: o livro gira em torno
do protagonista que o escreve. Paulo Honório, propõe-se a repassar sua vida,
tomando como episódio central o fracasso de seu casamento com Madalena. Homem
egoísta, ligado à terra, vivendo programadamente, é envolvido por um ciúme
doentio, e acaba levando sua mulher ao suicídio.
◊
Vidas Secas: é um romance composto de
quadros, tenso como personagens o vaqueiro, Fabiano, sua mulher, Sinhá Vitória,
seus filhos, o Menino mais Velho e o Menino mais Moço e a cachorra Baleia. O
autor retrata a condição subumana dessa família. O romance começa com uma fuga
da seca, e retrata um período de breve estabilização numa propriedade
abandonada; explorados pelo fazendeiro, animalizados pela seca, os miseráveis
terminam com nova retirada.
◊
Angústia: Luís da Silva, descendente
de uma família de fazendeiros arruinados, vai para a cidade tentar vida melhor,
conseguindo a ínfima posição de um reles funcionário público (a qual não
consegue ultrapassar). Sua desolação torna-se maior quando rompe seu noivado,
chega à loucura e ao crime. O romance é narrado pelo próprio personagem que
relata o episódio do seu drama, ao emergir da profunda crise nervosa em que se
abate após assassinar Julião Tavares, comerciante abastado e o sedutor da
noiva. Nova concepção do herói – o herói problemático.
Jorge Amado (1912 – 2001): é o escritor brasileiro mais conhecido no exterior.
Sua obra pode ser vista através do chamado “Ciclo do Cacau”, onde registra a
luta pela posse da terra no início da lavoura cacaueira. Em Terras do Sem Fim alcança a mais alta
expressão. Em Suor, Cacau e Capitães de Areia manifesta preocupação
em favor da justiça social, cuja expressão política é manifesta em Subterrâneos da Liberdade e Seara Vermelha, ao apontar o socialismo
como opção política. Ultimamente substitui o andamento político anterior pelo
humor de Gabriela, Cravo e Canela e Dona Flor e seus Dois Maridos.
Marques Rebelo (1907 – 1973): toma como ambiente a cidade do Rio de Janeiro; tem
sido considerado romancista urbano, cuja tradição vem de Manuel Antônio de
Almeida (Romantismo), Machado de Assis (Realismo) e Lima Barreto
(Pré-Modernismo). O autor fixa, em episódios voltados para o cotidiano, a vida
da classe média e, algumas vezes, do proletariado que povoa os subúrbios do Rio.
Destaca-se entre suas obras A Estrela
Sobe.
Rubem Braga (1913 – 1990): cronista por excelência, é considerado o inovador
do gênero entre nós. Numa prosa simples e precisa, passada por uma fina ironia,
mostra um gosto de viver em plenitude os momentos que estão passando, ou suas
memórias, seus amores, ou ainda os fatos do cotidiano, o dia-a-dia da vida
moderna.
José Geraldo Vieira (1897 – 1977): suas principais obras trabalham a corrupção moral
na cidade grande, o que mostra em mesmo corpo seu volume mais famoso A Mulher que Fugiu de Sodoma, publicado
em 1931, fazendo de seu autor um dos marcos da “modernidade”. O romance traz
características que deixam transparecer a vida precária logo após a crise de
1929 – fortunas que se faziam rapidamente e da mesma forma acabam, mesas de
jogos, uso indevido da riqueza, o que leva à degradação moral.
João Alphonsus (1901 – 1944): sobretudo contista. Merece destaque o experimento
técnico realizado em alguns contos, trabalhando o irônico e o cético, lembrando
Machado de Assis.
Ciro dos Anjos (1906 – 1994): sua principal obra, O Amanuense Belmiro, mostra em tom meio irônico a desilusão da
classe média ao descobrir que o mundo é um pouco mais do que vãs moralidades.
Dionélio Machado (1895 – 1985): alcança notoriedade com o romance Os Ratos, onde descreve o dia angustiado
de um modesto funcionário público que busca conseguir dinheiro para pagar, na
manhã seguinte, a conta do leiteiro. De um episódio banal, Dionélio consegue
ressaltar, numa técnica de pontilhismo introspectivo, as pequenas misérias e
frustrações do cotidiano.
Érico Veríssimo (1905 – 1975): a obra de Érico Veríssimo pode ser vista sob dois
ângulos: um que se estende de Clarissa a
O Resto é Silêncio; outro que
compreende o romance cíclico O Tempo e o
Vento. No primeiro, podemos ver alguns traços de união notado por pares
como Vasco-Clarissa e Noel-Fernando, que se completam entre si e demonstram a
solução ideal para as crises morais e espirituais do homem atual. Predominam
sentimentos de solidariedade, compreensão e autenticidade. Observa-se a mesma
atitude em relação aos romances Olhais os
Lírios do Campo e O Resto é Silêncio.
Em todos, vemos o cotidiano nas grandes metrópoles, retratado pelos
personagens. No segundo momento, o autor se preocupa com seu estado natal, na
procura da origem e da formação social. A trilogia que compõe O Tempo e o Vento (O Continente; O Retrato e O Arquipélago) mostra a vida de uma família do Rio Grande do Sul, desde sua
origem, no séc. XVIII, até os anos de 1945 (1745 a 1945).
Essa pavana é para uma defunta
infanta, bem-amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos
de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre sem descanso,
sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra
a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta infanta ungida
e bem-amada e para sempre santa.
Bem no fundo – Paulo Leminski
No fundo, no fundo,
POESIA
A
poesia dos anos 30, embora receba a herança de 1922, procura novos rumos
temáticos e estilísticos. Ao lado do verso livre são recuperados os metros
tradicionais. A linguagem despojada, coloquial e inovadora mescla-se com uma
lapidação lingüística incluindo pesquisas metalingüísticas. Abandona-se o
caráter polêmico da fase anterior em função de um aprofundamento em direção ao
universal, espiritual e social. O poeta Carlos Drummond de Andrade é apontado
como a maior expressão poética do momento. Trata de temas sociais, familiares e
provincianos, passando-os em versos com tom lírico, satírico ou irreverente.
Enquanto Drummond expressa em tons concretos os problemas da existência,
Cecília Meireles expressa-os espiritualmente. Sua poesia, à maneira dos simbolistas,
procura o universal e o místico. Da mesma linhagem são Augusto Frederico
Schmidt, Vinícius de Moraes, Henriqueta Lisboa.
Carlos Drummond de Andrade (1902 –
1987): Se, por um lado é escritor
extremamente individual, traduzindo em linguagem seca, precisa e direta notas
do mais puro lirismo, por outro, soube dar á sua poesia notações populares,
cadências brasileiras muitas vezes impregnadas de valores autobiográficos.
Influenciado por sua vivência mineira de Itabira, sua infância, seu ambiente familiar
repleto de tradições, mistura sentimentalismo com irreverência e humor – “Eta
vida besta, meu Deus” – refletindo sua profunda compreensão dos valores que o
cercam. Captando a realidade simples, cotidiana, torna-se o intérprete do
homem, sendo esse mesmo homem eo motivo das atenções do poeta, tanto nas
relações dele com a realidade imediata, como questionando os problemas que ele
enfrenta no mundo em que todos nós vivemos.
Assim,
sua poética se abre para captar o aspecto social. Em Sentimento do Mundo (1940) E a
Rosa do Povo (1945), manifesta sua reação ante a miséria do homem no mundo
moderno, sufocado por uma falta de humanidade, e massacrado por todos os
mecanismos que constituem o processo de alienação.
Acrescenta-se
à problemática social a consciência de um poeta que leva a poesia a sério, isto
é, acredita que a manipulação da palavra é tarefa de grande responsabilidade,
investigando as possibilidades de expressão e da comunicação. Cria, assim, uma
linguagem poética inconfundível, tecnicamente perfeita para adequar-se às
necessidades de sua temática.
Murilo Mendes (1901 – 1975): poeta experimental, com grande liberdade de
expressão e sem preconceitos literários. Considerado poeta surrealista. Depois
de 1950, tende à objetividade e ao descarnamento da escrita, concentrando-se em
experiências condicionadas por lugares que surgem como correlativos da emoção.
Dos nossos poetas é o mais irregular e difícil.
Jorge de Lima (1895 – 1953): descendente de senhores de engenho, sua poesia vem
marcada pela paisagem de sua infância e adolescência, numa atmosfera carregada
da presença do escravo negro, do engenho, do latifúndio. Posteriormente, deixa
transparecer em sua poesia um sentimento religioso impregnado de cristianismo.
Vinícius de Moraes (1913 – 1980): numa primeira fase é considerado poeta
transcendental e místico. Na segunda fase traz a aproximação do poeta com o
mundo material. Na primeira, usa o verso longo, lento, de matizes melancólicos;
na segunda, além do verso longo, usa o verso curto, trabalha o soneto, o
decassílabo e até o alexandrino. Deixa transbordar o lirismo.
Cecília Meireles (1901 – 1964): pode ser considerada herdeira do Simbolismo na
poesia moderna. Cecília Meireles tem preferência pelo vago, espiritualista.
Seus versos, geralmente, são curtos, o ritmo é leve e ligeiro. Numa expressão
poética muito rica e clara, conduz o leitor à visualização rápida e fácil.
Trabalha a matéria história em Romanceiro
da Inconfidência, mostrando o desastre que desabou sobre os poetas supostos
conjurados.
PASSEANDO PELA POESIA de Drummond,
Cecília Meireles, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes e Murilo Mendes
As sem-razões do amor - Carlos Drummond de Andrade
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Para Sempre – Carlos Drummond de
Andrade
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.
Essa pavana é para uma defunta
infanta, bem-amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos
de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre sem descanso,
sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra
a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta infanta ungida
e bem-amada e para sempre santa.
Poética –
Vinicius de Moraes
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
Vinicius de Moraes - Dialética
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Cecília Meireles - Retrato
" Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"
" Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Cecília
Meireles - "O
Amor...
É difícil para os indecisos.
É assustador para os medrosos.
Avassalador para os apaixonados!
Mas, os vencedores no amor são os
fortes.
Os que sabem o que querem e querem o que têm!
Sonhar um sonho a dois,
e nunca desistir da busca de ser feliz,
é para poucos!!"
É difícil para os indecisos.
É assustador para os medrosos.
Avassalador para os apaixonados!
Mas, os vencedores no amor são os
fortes.
Os que sabem o que querem e querem o que têm!
Sonhar um sonho a dois,
e nunca desistir da busca de ser feliz,
é para poucos!!"
A POESIA DEPOIS DE 45
A Geração de 1945
Costumam
nomear de “Geração de 45”
um grupo de poetas que defendem certas normas estéticas entre as quais a
retomada da rigidez e da disciplina da poesia. São poetas pertencentes a essa
geração Mauro Mota, Ledo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Darcy Damasceno
e, como poeta de especial destaque, João Cabral de Melo Neto.
João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999): definindo-se como antilíricio, procura despojar a
poesia da afetividade. A tônica de seus poemas é a objetividade da palavra
construída. Sob essa perspectiva escreve a trilogia Psicologia da Composição, Fábula
de Anfion e Antiode. Nesse
contecto está associado ao ideal estético da geração de 45. Mas o poeta
volta-se para a realidade, sociologicamente poetizada em O Cão sem Plumas, O Rio e Morte e Vida Severina.
Os
volumes publicados após a década de 50 revelam o escritor manipulando o enigma
da criação poética, sintetizando-o num poema-arquitetura e, ao mesmo tempo,
sincroniza construção com tema, preferencialmente a síntese da vivência do
diplomata na Espanha e a influência que sobre ele exerce o meio pernambucano. Paisagens com Figuras, Uma Faca só Lâmina, Quaderma, entre outros, atestam o referido comportamento do autor. Em A
Educação pela Pedra,
livro mais bem acabado de João Cabral, reflete a preocupação com o trinômio
trabalho, processo de criação formal e simetria entre a linguagem e realidade.
O Concretismo
Movimento
literário lançado em 1956 no MASP, em São Paulo , com uma exposição de poemas-cartazes
ao lado de esculturas e pinturas não-figurativas, geometrizadas e
racionalizadas. Tendo por mentores poéticos Augusto de Campos, Haroldo de
Campos e Décio Pignatari, propõe o encerramento do ciclo histórico do verso e a
substituição dele por novas estruturas baseadas na associação formal dos
vocábulos e a sua disposição gráfica na folha de papel, assemelhando-se com composições
geométricas. Propõe a substituição da linguagem convencional, baseada em uma
sintaxe discursiva, por uma linguagem analógica, que permite a justaposição de
conceitos, à maneira dos ideogramas. A poesia passa a buscar o elemento
concreto, a objetividade e a exatidão de maneira a comunicar-se imediatamente,
como nas manchetes de jornais e revistas (inclusive quadrinhos). A literatura,
segundo os concretistas, não é nada sem
o abraço irmão de outras artes. Assim, propõem a interligação com pintura,
arquitetura, desenho, música, artes gráficas e publicitárias. O movimento pode
ser considerado natural do Brasil, cujas manifestações inicias se dão através
do grupo “Noigandres”.
Além
dos poetas citados são ainda importantes expoentes do concretismo Ferreira
Gullar, José Lino Grünewald, Pedro Xisto, entre outros. As experiências
revolucionárias varam fronteiras e percorrem terras alemãs, japonesas,
inglesas, entre outras.
Mais
recentemente, os concretistas passam a buscar novos aspectos, incluindo os poemas-código,
feitos somente com símbolos gráficos (sem palavras); os pop-concretos,
incluindo uma preocupação com o movimento (poemas-móbiles). Os concretistas
tiveram importante participação na música popular através do movimento
tropicalista.
PASSEANDO PELA PROSA DEPOIS DE 1945
No
início da década de 40, começam a ser percebidos novos ecos literários no país.
A nova geração que surge, consciente da necessidade de galgar outros espaços,
empenha-se na experimentação de ritmos narrativos, busca reestruturar os
gêneros, voltando-se sobretudo para o conto e a crônica.
Há
a busca de um instrumento de manipulação e pesquisa que transparece na
investigação da linguagem ou na estruturação/deses2truturação do mundo
psicológico ou, ainda, na preocupação de quebrar o fluxo narrativo em busca de
uma ordenação lógico-formal. São experimentos que atingem alto grau de
maturidade intelectual, fazendo com que a Literatura Brasileira esteja a nível
do que de mais avançado se fazia no mundo. Surgem escritores como João Guimarães
Rosa, Clarice Lispector, Osman Lins, Dalton Trevisan entre outros. De alcance
mais popular ressurge o jornalismo espontâneo, a crônica leve e bem-humorada de
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga.
No
entanto, dois campos culturais desenvolvem-se sobremaneira no período: a
crítica literária e o teatro, primeiro como espetáculo e depois como texto.
Nos
decênios de 1940 e 1950, ao lado de obras maduras e expressivas dos escritores
dos dois decênios precedentes, surgem as da referida nova geração de
romancistas, poetas e críticos, que estão hoje na maturidade e representam a
camada dominante da literatura. Na ficção devemos mencionar Lígia Fagundes
Teles, Clarice Lispector, Herberto Sales, João Clímaco Bezerra, Fernando
Sabino, Osman Lins, Gastão de Holanda, Waldomiro Autran Dourado, Rui Santos,
Ernâni Sátiro, Antônio Olavo Pereira, e sobretudo João Guimarães Rosa, que
estreou em 1946 com um livro de contos (Sagarana),
revelador das mais altas qualidades. Estas se acentuariam em duas obras
publicadas no ano de 1956, que o situam como um dos nossos maiores escritores,
pela originalidade, profundidade e força criadora: Corpo de Baile, novelas, e Grande
Sertão: Veredas, romance.
O
gênero narrativo encontra, atualmente, tendências que vão do documentário de
testemunho e crítica social, aliando-se à herança intimista e psicológica de
escavação da consciência humana, até os experimentalismos que buscam novas
técnicas e novos meios de expressão.
Cândido
de Carvalho, Herberto Sales, Mário Palmério e Bernardo Élis.
Na
área do urbano, distinguem-se João Antônio (Malagueta,
Perus e Bacanaço – 1963); Rubem Fonseca (Os Prisioneiros – 1963; Lúcia McCartney – 1969); José Louzeiro
(tendendo para a literatura-reportagem em Araceli,
meu Amor – 1976; Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia – 1975), Ignácio de
Loyola Brandão (Não Verás País Nenhum –
1981).
No
campo da transposição das fronteiras do real, tendendo para a narrativa
fantástica, encontramos, como grandes expressões, Nélida Piñon, José J. Veiga.
João Guimarães Rosa (1908 – 1967): o Regionalismo estaria, nas mãos de Guimarães Rosa,
destinado a voltar a ser o centro da ficção brasileira; nele, a pesquisa dos
princípios formais que regem a expressão da vida rústica, para com eles
elaborar um novo código de comunicação para o leitor culto, uma nova poética da
forma, exigindo do leitor um alto nível da abstração (cita-se, como exemplo, o
romance Grande Sertão:Veredas).
Subversão da linguagem, regionalismo de invenção.
♦
Grande Sertão:Veredas: o romance é narrado na primeira pessoa (assumindo o tom de
um imenso monólogo) por um jagunço antigo, velho fazendeiro do norte de Minas
Gerais (Riobaldo), contando sua vida e suas angústias. Primeiro bandido, depois
chefe de bando, a sua grande tarefa é vingar a morte do grande chefe Joca
Ramiro, assassinado à traição por Hermógenes. Para isso estabelece um pacto com
o diabo, que a rigor não sabe se aconteceu e que o tortura durante a vida
inteira. Seu grande amigo é Diadorim (Reinaldo), companheiro de armas, por quem
sente uma amizade extremada, aproximando-se do amor, o que o deixa perturbado.
Diadorim morre em um duelo, matando o traidor Hermógenes, e, da morte, a
explicação para o “amor”, Diadorim era moça, era Deodorina, filha de Joca
Ramiro disfarçada em homem.
Clarice Lispector (1925 – 1977): considerada uma das mais representativas vozes da
literatura contemporânea, Clarice Lispector, embora trabalhe a matéria
introspectiva de características intimistas e psicológicas, garante a superação
dessas tendências; como se refere Alfredo Bosi, “encontramos nela múltiplos
sintomas de uma crise de amplo espectro: crise da personagem – ego, cujas
contradições já não se resolvem no casulo intimista, mas na procura consciente
do supra-individual; crise de fala narrativa, afetada agora por um estilo
ensaístico, indagador; crise da velha função documental da prosa romanesca”.
Em
seus contos e romances, mostra o salto do simples psicológico para o sentido
metafísica. Em A
Paixão Segundo GH, romance de “educação
existencialista”, a heroína mata uma barata e passa a maior parte da narrativa
diante da massa inerte da barata morta até que decide comê-la, buscando, neste
ato, a comunhão com o mundo. Já em Maçã
no Escuro, através de um crime quase gratuito, o protagonista Martim
liberta-se de todos os nexos familiares e sociais para tentar reinventar-se
como homem. Nos contos de Laços de
Família e A Legião Estrangeira,
em cuja concisão a arte de Clarice Lispector atinge o máximo de intensidade
expressiva, não é difícil perceber a marca desse existencialismo, com sua
ênfase na angustiosa opção do Homem voltando-se para si mesmo em meio a um
universo de absurdos que o rodeia.
Lygia Fagundes Telles (1923 - ):
seu estilo é quase impressionista, apoiando-se no desenvolvimento do enredo, na
criação de atmosferas onde evidencia o gosto pela morbidez trágica ou o malogro
e as frustrações do homem.
Dalton Trevisan (1926 - ):
contista que narra de uma forma direta, seca, com economia verbal, articulando
habilmente a linguagem coloquial e literária. Tematicamente, incorpora à
banalidade do cotidiano a preocupação de desvendar com lucidez o que pode haver
de significativo do humano. Seus personagens, quase sempre, revelam-se
instrumentos de obsessivas compulsões do sexo ou de ânsias frustradas, material
que o autor vai buscar na pequena burguesia de Curitiba.
Paulo Leminski (1944 – 1989)
Bem no fundo – Paulo Leminski
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Dá-me a
tua mão
– Clarice Lispector
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
Lygia
Fagundes Telles - Frases
Ele fixara em
Deus aquele olhar de esmeralda diluída, uma leve poeira de ouro no fundo. E não
obedeceria porque gato não obedece. Às vezes, quando a ordem coincide com sua
vontade, ele atende mas sem a instintiva humildade do cachorro, o gato não é
humilde, traz viva a memória da sua liberdade sem coleira. Despreza o poder
porque despreza a servidão. Nem servo de Deus. Nem servo do Diabo.
--
"Não separe com tanta precisão os heróis dos
vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de
química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo
misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano,
ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa ... E que interessa o
castigo ou o prêmio? ... Tudo muda tanto que a pessoa que pecou na véspera já
não é a mesma a ser punida no dia seguinte."
Lygia Fagundes Telles
Luto
O Céu deve estar formando um coral! Essa é a única explicação que encontro para perder dois nomes da música popular brasileira em menos de um mês. Chorão e Emílio Santiago estão, agora, fazendo show lá no alto. Cada um com o seu estilo, com sua marca, com sua história, com sua voz...
O cantor, compositor, cineasta, poeta, roteirista Alexandre Magno Abraão, o Chorão, faleceu no dia 6 de março de 2013. Co-fundador da banda Charlie Brown Jr., formada em 1992. O grupo lançou dez discos e venderam mais de cinco milhões de cópias.
Um dia depois a morte de Chorão, o cantor Emílio Vitalino Santigo, deu entrada no Hospital Samaritano, em Botafogo/RJ, depois de sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Emílio Santiago ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Porém, veio a falecer no dia 20 de março de 2013.
Ficam agora os registros das obras desses dois ícones da música popular brasileira. Vale a pena ver e ouvir Charlie Brown Jr. [“Chorão”] e Emílio Santiago.
Mamonas Assassinas para sempre
Sábado passado, 02.03.2012, estava na casa do meu amigo [Ary Santos] durante a nossa conversa ele exclamou: “Nem parece que já fazem 17 anos, NE!?!”. Realmente... Como o tempo voa! Há 17 anos a música popular brasileira perdia, em uma “única pancada” os irreverentes: Mamonas Assassinas.
Sete meses de sucesso absoluto. Período suficiente para que Dinho, Bento Hinoto, Samuel Reoli, Sérgio Reoli e Júlio Rasec escrevessem seus nomes na história da música brasileira. Em julho de 1995 surgiu à banda de rock cômico: Mamonas Assassinas. Os meninos de Guarulhos/SP tiveram um sucesso meteórico.
Com o primeiro disco gravado, os Mamonas Assassinas, se apresentaram em programas como Jô Soares, Domingo Legal, Programa Livre, Domingão do Faustão, Xuxa e realizavam shows oito vezes por semana. A banda chegou a vender 100 mil cópias a cada dois dias.
Porém, antes de alcançar todo o destaque – merecido – a banda, na época, atendia por Utopia, foi impedida pelo dirigente do Estádio Paschoal Thomeo (Thomeozão) de tocar lá [em 1992]. Porém, em 1996 os cinco integrantes lotaram o estádio.
Antes do acidente, em uma conversa, Júlio – o tecladista – disse a um amigo cabeleireiro que havia sonhado com um acidente de avião. Após o show – o último show – no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, a aeronave que havia sido fretada para transportar o grupo musical chocou-se na Serra da Cantareira. O impacto destruíu, por completo, a aeronave e todos os ocupantes faleceram no local.
Toda simplicidade e alegria dos Mamonas Assassinas permanecem vivas em nossas memórias.
Para ver Mamonas:
Para ouvir Mamonas:
--X--X--
100 anos de poesia: Vinicius de Moraes
Dia 8 de julho de 1980. Vinicius de Moraes se reúne com o parceiro e amigo Toquinho para acertarem os últimos detalhes do disco “Arca de Noé, volume 28*”. Aquele seria o dia que, Toquinho, sem prever, teve a oportunidade de ver pela última vez o brilho da luz dos olhos do “poetinha”. No dia seguinte, [9 de julho], Vinicius estava em sua casa, na Gávea, em sua banheira quando sentiu um mal-estar. Pouco depois suas mãos não escreveriam mais nenhum das centenas de poemas que até hoje nos encantam. O artista das palavras faleceu.
Vinicius de Moraes era poeta, dramaturgo, jornalista e compositor brasileiro. A obra do “poetinha” – apelido que ganhou de Tom Jobim – manteve-se prestigiada pela música popular brasileira, foi gravado e declamado por grandes nomes da música popular brasileira, mesmo depois de sua morte.
Quem nunca declamou “Soneto de Fidelidade” a pessoa amada? Foi com os seus sonetos que Vinicius destacou-se. Ele sabia que ser artista das palavras era um trabalho cansativo, pois era a expressão fiel da vida. Sua arte antecipava as crônicas cotidianas.
O arquiteto das palavras nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913. Tornou-se um autentico boêmio, fumante e apreciador de uísque; também conhecido por ser um grande conquistador. Prova-se isso com os seus nove casamentos.
Falar da vida e obra de Vinicius exige-se tempo. Tempo para ler Vinicius. Tempo para ouvir Vinicius. Tempo para ver Vinicius. Suas obras foram marcadas por versos compostos de forma simples, sensual e, por vezes, carregadas de temas sociais.
Em 2013 vamos celebrar o centenário de Vinicius debruçando em sua obra para que ela permaneça viva.
“De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo”
(Poética I)
*Em 1981, foi lançado o disco “Arca de Noé, volume 2”.
Para ver Vinicius:
Para ouvir Vinicius:
--x--x--
DICA FILME E LEITURA PARA O MÊS DE DEZEMBRO
FILME:
O Cine Teatro Aurora exibirá neste domingo, dia 16 de dezmbro, às 15 h, o filme "As crônicas de Narnia: o leão, a feticeira e o guarda roupa". A censura é livre. Entrada gratuita. O Cine Teatro Aurora fica na Av. Paraná, junto à Casa da Criança e do Adolescente de Iepê.
LEITURA:
DICAS DE LEITURA PARA O MÊS DE NOVEMBRO
DICAS DE LEITURA E FILME PARA O MÊSES DE AGOSTO/SETEMBRO/OUTUBRO
DICAS DE LEITURA E FILME PARA O MÊSES DE MAIO/JUNHO/JULHO
Aproveite o friozinho e as férias para ler! As sugestões são para todos os gostos e idades.
DICA DE LEITURA E FILME QUE VOCÊ ENCONTRA NO PONTO DE LEITURA, QUE FICA NO MAI, PARA O MÊS DE ABRIL.
LEITURA: OLHO MÁGICO, de Tiago de Melo Andrade, coleção histórias fantásticas. O livro tem um texto agradável e uma história envolvente que certamente despertarão o interesse pela leitura em pré -adolescentes e jovens, mas agrada também a adultos.
FILME: COMO ESTRELAS NO CÉU. Filme comovente sobre arte, poesia e dislexia. Fundamental para educadores e para os que desejem mergulhar na alma humana e pensar o sentido que damos a vida. Tudo isso numa linguagem delicada e leve. Confiram.
PARA REFLETIR: Depois de inventar a fala, que é a forma “mais importante” de comunicação, o homem continuou procurando outras formas de expressão: música, literatura, dança, artes plásticas etc. a ARTE é a forma de expressão da cultura e o grito da alma, e seu modo operativo é livre, libertário, onírico, utópico...
“A ARTE existe porque a vida não basta.” (Ferreira Gullar, poeta)
CULTURA: modo como as coisas são feitas nos grupos humanos: música, literatura, poesia, culinária, escultura, dança, história, religião, rituais, costumes, lendas, mitos, trabalho, artes plásticas, linguagem, arquitetura, artesanato, folclore...
CONHEÇA UM POUCO SOBRE A CULTURA GUARANI E O MAI
(Clique nas imagens para ampliá-las)
Panorama Indígena no Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário